A Catarina é arquitecta, e fomos colegas de turma durante apenas dois anos dos cinco que o nosso curso tem. Isto porque eu fui para Itália no nosso terceiro ano e ela para Gent, na Bélgica no 4º, onde depois decidiu acabar o curso, vivendo lá, portanto, durante 2 dos seus 23 anos de idade. Desafiei-a a partilhar connosco as suas experiências na Bélgica, bem como sugestões e dicas para quem quiser visitar Gent e conhecer um pouco melhor a cidade.

Porque decidiste sair de Portugal e por quanto tempo estiveste em Gent?

Saí de Portugal inicialmente para o meu ano de Erasmus em Gent, enquanto estudava Arquitectura. Decidi ir porque sempre quis ter aquela experiência de viver noutro país e tudo o que isso implicava, e o programa Erasmus foi a minha primeira oportunidade concreta para o conseguir. A experiência acabou por me conquistar e depois de realizar o meu ano de Erasmus decidi prolongar a minha estadia em Gent por mais um ano e completar o meu mestrado lá.

Que expectativas tinhas da cidade e do país? Essas expectativas corresponderam à realidade?

Quando soube que ia para a Bélgica, tinha a possibilidade de escolher entre Bruxelas, a capital, e Gent, uma cidade mais pequena na região da Flandres. Sabia muito pouco sobre Gent e acabei por escolher a cidade com base em detalhes para os meus estudos. No entanto nunca achei que seria um choque enorme, tinha a sensação que as coisas funcionariam mais ou menos da mesma maneira que funcionam em Portugal.

Entretanto fui pesquisando e falando com pessoas que já tinham estado na Bélgica, mas não quis criar uma imagem muito concreta sobre o país e a cidade através desses testemunhos apenas. Quando lá cheguei a realidade do dia a dia não era muito diferente do que estamos habituados em Portugal, nem da ideia que tinha da Bélgica antes de para lá ir. Como fui para estudar sabia que eventualmente começaria a fazer amigos e conhecer mais pessoas e mais sítios, por isso o choque de me mudar para outro país acabou por não ser muito forte e as expectativas não resultaram em desilusão. 

Como caracterizas os belgas? 

Viver e estudar na Bélgica não é muito diferente do que em Portugal, há muitas semelhanças, e para isso os belgas contribuem em muito. Os belgas são simpáticos e, na minha opinião, bastante acolhedores com pessoal estrangeiro. Gent é uma cidade universitária e com muitos estudantes de intercâmbio, ouve-se muito inglês na rua e os belgas recebem-nos muito bem. Podem parecer mais frios que os portugueses, numa primeira análise, mas estão habituados a expatriados e muitos turistas, são sempre muito prestáveis e querem sempre saber mais coisas sobre ti.

O que mais te marcou em Gent?

Uma das coisas que mais gostei é que é uma cidade muito tranquila, muito segura e muito acessível a todos os níveis. É muito fácil estares do outro lado da cidade em 15 minutos de bicicleta, apanhar um comboio e visitar outras cidades como Bruges, Antuérpia ou Bruxelas ou até apanhares um avião para qualquer outra cidade europeia, e isso para um estudante de Erasmus é sempre positivo! Para além disto, uma das coisas que mais gosto na cidade é que, e principalmente quando o tempo ajuda, depois de um dia de aulas ou de trabalho, as pessoas juntam-se na rua para relaxar antes de voltarem às suas casas para prepararem mais um dia de trabalho. Há uma tranquilidade na vida quotidiana que foi surpreendente em relação a Portugal.

Por oposição, não consigo apontar uma coisa que tenha gostado menos em Gent. Sem contar com practicalidades a que estamos habituados em Portugal, como por exemplo os supermercados abertos até tarde, coisa que não acontece tanto na Bélgica, a cidade é mesmo muito tranquila e isso deixa-me sempre bem disposta! 

 Como era um dia normal para ti?

O meu dia normal em Gent passava muito pelas aulas e pelo trabalho que tinha fora delas, no entanto o horário muito prático que tinha permitia sempre tempo para actividades extra e para explorar outros lugares da cidade. O final do dia e a noite estavam sempre reservadas para momentos mais calmos ou encontrar mais um bar que não conhecia e provar mais uma das cervejas belgas! Durante o fim de semana era sempre muito fácil apanhar um comboio e passar o dia noutra cidade e aproveitar para explorar mais um bocadinho do país.

Vamos tentar fazer um roteiro de viagem em Gent de três dias. Indica-nos as coisas que, na tua opinião, sejam “obrigatórias” ver ou fazer.

Gent é uma cidade pequena por isso com três dias podemos aproveitar para também visitar outras áreas menos centrais! Para começar, um passeio a pé pelo centro da cidade, com obrigatoriedade (e sem grande escapatória também!) de passar pela zona do Graslei e do castelo, seguir as torres das igrejas ou os canais e explorar um bocadinho a arquitectura medieval da cidade, que é muito própria da Bélgica. Obrigatória é também a passagem por estes mesmos sítios durante a noite! Recomendaria também a imprescindível visita na Catedral de St. Baaf para ver o Retábulo de Gent ou como é mais conhecido, a ‘Adoração do Cordeiro Místico’, o altar do séc. XV pintado por Hubert e Jan Van Eyck que ao longo dos séculos passou por muitas mãos, e cujo um dos painéis continua desaparecido.

Se quiserem saber um pouco mais da história da cidade o museu STAM é paragem obrigatória.

Os passeios de barco no canal, apesar de uma actividade bastante turística, são também muito interessantes porque percorrem o centro da cidade de uma perspectiva totalmente diferente, e explicam alguma da história de Gent. Outros museus que valem a pena visitar, se tiverem mais tempo na cidade, são o Museu do Design, mesmo no centro da cidade, que tem sempre exposições muito dinâmicas, o SMAK – Museu Municipal de Arte Contemporânea ou mesmo ao lado o MSK – Museu de Belas Artes. Outro museu bastante peculiar é o Museu Dr. Guislain, instalado no mais antigo hospital psiquiátrico belga, construído em 1857, com uma exposição permanente sobre a história da psiquiatria e uma coleção de arte.

Para fãs de arte urbana, vale a pena percorrer o roteiro da cidade, começando na rua Werregarenstraat e passando pela Grindbakken, no norte da cidade, já bastante mais perto do porto da cidade, uma zona que anteriormente era usada para transferir areia e cascalho dos navios para os camiões e que foi limpa e pintada de branco para ser usada para eventos ou exposições e onde se podem encontrar sempre novas peças. No entanto podem sempre encontrar peças espalhadas pela cidade! No verão, é obrigatória a visita ao Blaarmeersen, o lago da cidade, com uma mini praia e espaço verde em abundância para relaxar, fazer um picnic ou beber uma cerveja.

Falemos de comida! Que especialidades gastronómicas temos mesmo de provar em Gent? Que restaurantes nos recomendas?

Em termos gastronómicos, a Bélgica é conhecida, e com razão pelas suas batatas fritas acompanhadas ou não pelos mexilhões, as waffles e claro, o chocolate, que devem e podem ser experimentados um pouco por toda a cidade. Encontram provavelmente um dos melhores hamburgers que já provaram no Uncle Babe’s, que podem acompanhar com cocktails fantásticos, ou experimentem também o famoso Amadeus. Só para almoçar, visitem o Parnassus, um restaurante instalado numa antiga igreja e com um menu fixo mas que vale muito a pena. Também instalado numa antiga igreja está o recente Holy Food Market com algumas opções, incluindo uma portuguesa! Gent é também uma cidade com muitas opções vegetarianas, se for o vosso caso! Podem também, claro, experimentar as cervejas belgas e os famosos ‘Narizes de Gent’, ou em dutch o Cuberdon, um pequeno doce belga em forma de cone que pode ser encontrado em quiosques pelo centro da cidade.

Algumas dicas para poupar dinheiro na cidade? E qual a maior ‘tourist trap’?

A maior dica para poupar dinheiro é talvez, evitar os transportes públicos e andar bastante a pé ou alugar uma bicicleta para conhecer a cidade. Para além dos transportes não serem estritamente necessários para quem quer conhecer a cidade em 2 ou 3 dias, uma bicicleta ajuda sempre e a cidade é muito bike-friendly. Em alternativa, percorrer a cidade a pé é sempre um bom exercício sendo que a cidade é muito plana. A evitar e talvez o mais parecido com uma ‘tourist trap’ será provar as cervejas belgas nos bares, não porque os preços são inflacionados mas porque, para alguém que queira provar os vários tipos ficará sempre mais caro. Claro que, evitando dos bares, não vão ter a experiência de ver as cervejas a serem servidas nos seus copos próprios, uma das regras que os belgas levam muito a serio, não fosse a cultura da cerveja belga Património Cultural Imaterial pela Unesco.

Em que zonas devemos procurar hospedagem e porque?

Sendo que a cidade não é muito grande, qualquer das suas zonas será acessível em termos de hospedagem, mas o centro tem sempre outro encanto e ficarão sempre mais perto para quando as cervejas começarem a fazer efeito! Há muitos hostels e hotéis na cidade, não necessariamente baratos pelos meus conhecimentos, mas há também muitos turistas que visitam Gent mas que não ficam necessariamente na cidade, os acessos de comboio às maiores cidades belgas são muito fáceis e é uma opção a considerar se quiserem visitar outras cidades também.

Quais os melhores lugares para sair à noite? 

Gent é uma cidade com muitos estudantes, por isso não é difícil encontrar um bar aberto. Eu recomendaria, para um a noite mais calma, o Hot Club de Gent, onde há quase todos os dias concertos de jazz, o bar do Vooruit, um edifício histórico da cidade que foi transformado num centro de arte que recebe concertos, exposições e outros eventos culturais e o Trollekelder, um bar com imensas cervejas à disposição e com um ambiente muito calmo. Para uma noite mais agitada, os meus sítios preferidos são o Millie Vanillie, no centro da cidade, e perto da igreja de St. Jacob, onde encontram bastantes bares e discotecas. Experimentem o Cafe Video e o Charlatan, talvez um dos bares mais famosos de Gent e o sítio onde todas as noites longas terminam.

Qual era o teu lugar ou actividade preferida em Gent?

A minha actividade favorita é sem dúvida o festival da cidade, o Gentse Festeen! Todos os anos, durante 10 dias em Julho, a cidade recebe concertos, teatro e milhares de outras actividades na rua, espalhados por palcos nos parques, nas praças e até no canal, durante o dia e a noite. O festival é realizado há 174 anos, e recebe todos os anos entre 1,2 a 1,7 milhões de pessoas, com mais de 100.000 pessoas a passarem por Gent todos os dias. É considerado um dos maiores festivais deste género da Europa, semelhante ao Oktoberfest ou ao Las Fallas. É realmente um ambiente de festa indiscritível que não consigo comparar nem com os Santos Populares em Portugal, e que aconselho a quem pensa visitar a Bélgica e Gent!

Não se pode sair de Gent sem..

passar um final de tarde no Graslei com uma cerveja (ou mais), na companhia dos amigos!

 

 

A Catarina agora está a viver em Berlim, por isso daqui a uns tempos podemos voltar a pedir-lhe um texto sobre outra cidade! E claro, qualquer dia vemo-nos por aí 🙂 Obrigada pelo texto!

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