Na primeira semana de Outubro de 2016 fui à Islândia por uma semana, no âmbito de um evento da AFS, o Chapter Exchange, que reunia dez voluntários de cada país – Alemanha, Eslováquia, Islândia e Portugal – para discutir a multiculturalidade da Europa, nomeadamente a inclusão de refugiados nas nossas sociedades. A semana seria dividida entre alojamento no campo e alojamento na cidade. Nos primeiros três dias ficámos numa antiga escola em Thorlakshofn, relativamente no meio do nada, uma vez que tínhamos duas ou três casas vizinhas à vista. Nos últimos três continuámos a discussão na capital Reiquejavique. No dia em que nos íamos mudar do campo para a cidade os voluntários islandeses ofereceram-nos uma visita ao famoso Golden Circle.

Um dos mais famosos tours na Islândia é precisamente o Golden Circle, listado como um passeio obrigatório em quase todos os sites de turismo islandeses, principalmente pela sua proximidade à capital. Este “Círculo Dourado” (que na verdade não é um círculo) consiste em três lugares igualmente impressionantes, tão espectaculares como únicos, no sudoeste da Islândia: o Parque Nacional Thingvellir, a área geotérmica de Geysir e a enorme cascata Gullfoss. Geralmente a visita é feita pela ordem que enumerei, mas como nós não vínhamos de Reiquejavique, mas esse sim era o nosso destino, fizemos o “círculo” ao contrário.

Infelizmente o dia começou mal! O autocarro que nos ia transportar teve um problema e chegou mais de uma hora e meia atrasado e o que ia ser uma curta visita, ainda mais curta se tornou. Assim, muita informação que vos transmito é baseada em sites de turismo islandeses, como o Guide to Iceland, pois só nos foi dado entre 30 e 45min em cada lugar. Como introdução, algumas fotografias das paisagens islandesas entre os vários pontos, parte importante deste tour!

 

 

.

A MARAVILHOSA GULLFOSS

Dizem que é uma das mais espectaculares cascatas da Islândia – e a única que vi! Encontra-se a menos de 10min do Geysir, na verdade passámos por ele antes de chegar à cascata.

Localizada num antigo vale, o rio Hvita contém esta poderosa cascata, dividida em duas quedas, com uma altura total de 32m. O verão (entenda-se também final de primavera e início de Outono) será a melhor época para visitar Gullfoss, quando não há gelo no chão, pois é possível aproximar-se bastante das quedas de água. Perto ou longe de certeza que ficam um pouco molhados, pois a força da água é tanta, que levanta partículas de água que molham mesmo quem não quer! Isso não quer dizer, no entanto, que Gullfoss seja menos espetacular no inverno – pelos menos é o que dizem, porque eu não vi. Embora não se possa chegar tão perto, vê-la parcialmente congelada é fascinante. Lembrem-se porém que, embora as temperaturas na Islândia não atinjam valores muito baixos, o vento é o pior inimigo, principalmente o trazido dos glaciares vizinhos, por isso agasalhem-se bem!

Infelizmente esta cascata esteve uma vez em risco de ser transformada em barragem. No início do século XX, investidores estrangeiros tiveram oportunidade de transformá-la numa usina hidroelétrica. O proprietário dos terrenos, Tomas Tomasson, cedeu indirectamente os direitos dos terrenos mas a sua filha, Sigridur Tomasdottir, recusou-se a deixar que a maravilha natural, que ela tanto amava, fosse destruída. Desde ameaçar que se atirava das cataratas a percorrer várias vezes a pé os 200km em terra até Reiquejavique, as suas acções chamaram a atenção da crítica nacional e garantiram que o processo de construção da barragem fosse atrasado. Eventualmente, o advogado que Sigridur contratou, Sveinn Bjornsson, conseguiu que os investidores anulassem o contrato. Mais tarde esse mesmo homem foi eleito primeiro presidente da Islândia. Sigridur foi imortalizada numa escultura de pedra no topo da cachoeira e é lembrada como uma mulher pobre e sem instrução, lutando contra uma sociedade capitalista e patriarcal em nome da beleza da natureza; ela ajudou a pavimentar o caminho para o feminismo e o ambientalismo típicos da cultura islandesa!

 

 

 

 

 

 

.

A ÁREA GEOTÉRMICA DE GEYSIR

A nossa segunda paragem do Golden Circle foi no Geysir, localizada no vale de Haukadalur, onde a actividade geotérmica é bastante intensa. A área contém muitas piscinas quentes e fumarolas, atracção que seria fascinante o suficiente, mesmo sem os dois geysirs que a tornam famosa. O primeiro deles, que dá menos nas vistas, é o que deu nome a todos os outros, o Grande Geysir, o mais antigo e documentado da literatura europeia. O seu nome vem do verbo nórdico antigo ‘jorrar’, geysa, e este raramente entra em erupção. Já o seu vizinho, Strokkur, “explode” a cada dez minutos, aproximadamente, sendo que a água pode atingir entre 20 e 40 metros de altura.

É possível, no entanto, explicar por que é que o Geysir original tem tão pouca actividade. Terá que ver com a actividade tectónica da área, bem como da intrusiva intervenção humana. Estudos mostram que este existe há cerca de 10.000 anos e tende a entrar em erupção em ciclos. Geralmente é desencadeado por um grande terremoto mas lentamente, com o tempo, volta a estar inactivo. Mesmo depois de ser desencadeado, no entanto, é imprevisível em termos de tempo e consistência. Cansados ​​do facto de um dos marcos mais famosos do país ser tão inconsistente, em 1935 os islandeses cavaram um canal ao redor da abertura de Geysir para baixar o lençol freático e incentivá-lo a entrar em erupção. Embora tenha funcionado por um curto período, o canal ficou entupido e a actividade cessou novamente. Em 1981, esse canal foi limpo e verificou-se que o Geysir poderia ser forçado a entrar em erupção bombeando sabão mas havia muitas implicações ambientais pelo que a prática foi interrompida na década de 1990. Desde então que o Geysir está maioritariamente inactivo, embora expluda ocasionalmente, sem possível previsão, apenas para os sortudos que se encontravam na área naquele momento. Quando entra em erupção, é muito maior que Strokkur sendo que já atingiu uma altura de 170m!

Mas parte do que torna o Golden Circle tão incrível é a existência de um geysir, Strokkur, tão activo e confiável, num local tão acessível. É que não é fácil reunir as condições para um geysor existir. É necessária uma fonte de calor intensa (para que os geysirs entrem em erupção, é necessário haver magma perto da superfície da terra para aquecer as rochas o suficiente para ferver a água), é necessário um fluxo de água subterrânea e é necessário um sistema de encanamento natural (deve haver um reservatório subterrâneo para que a água se acumule e uma abertura, forrada com sílica, para que a água não possa sair dela, que sobe do reservatório para a superfície da terra).

 

 

 

 

.

THINGVELLIR NATIONAL PARK

A terceira paragem, o Parque Nacional Thingvellir é um local incrível, repleto de história, cercado por uma geologia incrível e Património Mundial da UNESCO. O parque fica a 50min de carro do Geysir e a outros 45min de Reiquejavique e é normalmente a primeira paragem do Golden Circle, quando se parte da capital. As raízes de como esta ilha se formou e como a sua sociedade civil foi criada podem ser encontradas aqui!

A incrível geologia do parque vem do facto de estar localizado diretamente entre as placas tectónicas da América do Norte e da Eurásia, no vale da fenda que atravessa toda a Islândia, o único país em que esta fenda pode ser vista acima do nível do mar. Quando se entra no parque encontramos um penhasco que é, de facto, a esquina da placa norte-americana. A outra placa fica a vários quilómetros de distância, no lado oposto do parque. Foi uma bolsa de magma que se formou entre as duas placas a responsável pela criação da Islândia há milhões de anos. Todos os anos as placas separam-se aproximadamente 2.5cm, razão pela qual a Islândia ter uma tão elevada actividade vulcânica. Evidências desse processo podem ser encontradas por todo o parque. A área consiste em longos trechos de rochas de lava que circundam Thingvallavatn, o maior lago natural do país. O facto de o parque ser tão verde é porque não houve uma erupção na área nos últimos 2000 anos, embora existam terramotos regulares. As rachas abertas por esses terramotos são preenchidas com água doce, que derrete do glaciar Langjökull e viaja para o subsolo, através da porosa rocha de lava, em direção ao lago. Esse longo processo de filtração faz com que a água seja desprovida de sedimentos e, portanto, cristalina, com uma visibilidade que excede os 100 metros, o que não apenas torna a caminhada pela área muito mais cénica, como também cria a oportunidade de fazer mergulho entre as duas placas tectónicas! No entanto, se preferirem ver “onde a terra se separa” e ao mesmo tempo permanecer totalmente seco, é possível caminhar pelo desfiladeiro de Almannagja. Este vale deslumbrante mostra-nos como os processos geológicos da área funcionam e leva-nos à cascata Oxararfoss.

No entanto, a localização incrível e a geologia fascinante de Thingvellir não têm nada a ver com o motivo pelo qual o parque é Património Mundial da UNESCO. Tem sim a ver com o passado. Saber a história de Thingvellir é saber a história do povo islandês. Os primeiros colonos permanentes na Islândia chegaram nos anos 800 e eram em grande parte clãs vikings que se recusavam a “dobrar o joelho” ao novo rei da Noruega. Em 930, no entanto, decidiram que algum tipo de governo coletivo poderia facilitar as disputas na ilha, e cada um dos trinta grupos presentes enviou alguém para representá-los. Ao local da reunião chamaram “os campos do parlamento”, que se traduz em Thingvellir. Este primeiro parlamento foi um sucesso tão grande que a tradição continuou ano após ano, século após século. A instituição permaneceu mesmo depois da Islândia ser adquirida pela Noruega em 1262 ou de ter sido transferida para a coroa dinamarquesa em 1380. Em 1844, depois da única pausa que o parlamento viu, foi transferido para Reiquejavique, mas a sua função permaneceu a mesma. Essa história faz do parlamento islandês o parlamento representativo mais antigo do mundo. Enquanto as populações da Europa cristã enfrentavam o feudalismo sem pensar em nenhum processo democrático, os “pagãos” da Islândia criavam um sistema representativo que serviria de modelo para muitos que o seguiram.

Mesmo depois do local do parlamento ter sido mudado para Reiquejavique, a área manteve um grande valor emocional para os islandeses. Foi aqui que o país decidiu declarar e celebrar a sua independência da Dinamarca em 1944, depois dos nazis a invadiram e os Aliados assumiram o controlo da ilha, e também foi aqui que se celebrou a eleição do primeiro presidente da nação, Sveinn Bjornsson.

.

.
.
.
.
.

Sendo um dos tours mais populares da Islândia, encontrei muitas maneiras diferentes de visitar o Golden Circle, na minha pesquisa. Existem centenas de passeios diferentes, de dezenas de agências, que combinam o Golden Circle com actividades extra ou mais locais turísticos. Eu diria que a forma mais fácil e comum é alugar um carro e visitar o que se quiser, ao ritmo que se quiser, sem as restrições de horário e itinerário que acompanham uma visita guiada e podendo continuar a visita pelo resto da ilha e por locais menos conhecidos nas proximidades.

Para aqueles que preferem evitar a pressão de conduzir na Islândia há alguns tours muito simples e eficientes, como a visita apenas às três atrações, como a que eu fiz, e regressar a Reiquejavique. Podem juntar também a visita à cratera Kerid e a um mergulho na Blue Lagoon.  Ou, porque não, juntar um passeio de snowmobile no glaciar Langjökull. Também é possível combinar o “Círculo Dourado” com espeleologia vulcânica na Península de Reykjanes. Ou então comprar logo o tour de três dias pela Costa Sul, que para além do Golden Circle inclui a visita a inúmeras cascatas, à cratera Kerid, à famosa praia de areia negra Reynisfjara, à Lagoa Glaciar Jokulsarlon (também conhecida como Diamond Beach) e à Blue Ice Cave, para fotografias deslumbrantes. Lembrem-se porém que a Islândia não é barata e fazer tour atrás de tour ficará mais caro que alugar um carro.

Se gostaram deste post e querem ler mais sobre a minha viagem à Islândia, podem visitar os seguintes posts: