Foi este último que a minha mãe decidiu fazer e eu decidi juntar-me a ela pois a vontade de ver lugares novos e ter essa adrenalina da descoberta estava adormecida há demasiado tempo – sim porque apesar de ter passado o confinamento no México, não saía de casa… O Caminho Inglês vem do norte da Galiza, onde os ingleses chegavam de barco, e tem duas opções – ou a partir de Ferrol (-120km) ou a partir de A Coruña (72km). Como a minha mãe tinha uma semana de férias e ainda queria passar dois dias nas maravilhosas Islas Cíes, optámos por planear fazer o caminho de bicicleta, pois assim demorávamos apenas três dias a fazer cerca de 40km diários, partindo de Ferrol.
Problema: um dia antes da partida, à saída da casa de banho, dei um pontapé com o mindinho na ombreira da porta e o dedo ficou de tal maneira desfigurado que tive de ir às urgências. Os médicos assustaram-se, mas afinal tinha pior aspecto do que realmente era – uma unha partida ao meio que eventualmente ia cair e um pedaço de pele rasgada. Disseram-me logo que devia evitar andar de sapatos fechados, pelo que o plano de fazer o Caminho ficou logo comprometido.
Encontrámos logo solução! A minha mãe faria como inicialmente planeado e eu ia de carro vassoura, levava as malas e ia visitando as terrinhas por onde o caminho passava, enquanto a minha mãe me ia alcançando. Assim este não é um texto sobre o Caminho Inglês de Santiago, mas a minha visita a várias cidades e vilas galegas muito bonitas por onde passa o caminho inglês e também o português.
Dia 0 – Saímos de Lisboa logo na 6ª feira à tarde para dormir em Ponte de Lima, em casa de família, e assim podermos aproveitar o trajecto até Ferrol, no dia seguinte.
Dia 1 – Acordámos então em Ponte de Lima e depois de um maravilhoso pequeno almoço arrancámos em direcção a Tui, onde a minha mãe queria visitar uma amiga, dona de um albergue privado, que a ajudou há três anos depois de um pequeno susto. A minha mãe lembrou-se que a ponte entre Valença e Tui, por cima do rio Minho, a fronteira, por onde passa o Caminho, é muito bonita e que eu gostaria certamente de a fotografar. Quando me apercebi que Valença era uma cidade muralhada em estrela, como Elvas ou Almeida, disse logo que a tínhamos de visitar!
Valença é uma vila muito agradável, decorada a granito e a toalhas – aparentemente os espanhóis vêm todos a Portugal comprá-las. Aí comecei a ver as primeiras setas amarelas e comecei a segui-las até chegar à ponte, com vista para Tui, e chegar a Espanha a pé. A primeira etapa Valença – Tui estava completa, dizia eu à minha mãe, em tom de brincadeira.
Com esta paragem em Valença já era hora de almoço, pelo que a visita ao Ideas Peregrinas, o albergue da amiga da minha mãe, aparecia no momento ideal! Enquanto almoçávamos estivemos à conversa com a Mónica que nos contou como foi o confinamento na Galiza, a festa que houve quando a fronteira reabriu e o trabalho que dá preparar quartos para peregrinos agora com todas as novas regras de higiene impostas. Descobrimos também que em Espanha era obrigatório o uso de máscara na rua, excepto quando o distanciamento social é possível. Demos ainda uma pequena volta por Tui, passámos pela catedral, pelo albergue oficial, onde a minha mãe ficou, até regressarmos ao carro para seguir caminho para Ferrol.
A Galiza, embora imediatamente acima de Portugal, tem a mesma hora que o resto de Espanha, pelo que no início de Julho o sol só se põe por volta das 22h15. Assim tínhamos sempre muitas horas de luz para passear. Aproveitámos para ir explorar um pouco de Ferrol. A Galiza é também conhecida por ter várias baías que eles decidiram chamar de rias. A Ria de Ferrol é uma delas, mas provavelmente a mais industrializada e por isso a menos bonita. Apesar de ser uma cidade à beira mar, a sua beleza está mais no interior e na sua arquitectura típica galega com belíssimas janelas. Fomos até ao ponto exacto onde começa o Caminho e fizemos a pé o primeiro km. Já eram horas de jantar e optámos pela Mesón O’Carabel, um bar de tapas onde comemos super bem e melhor atendidas fomos!
Ainda faltavam 10km até ao Miño, com uma grande subida pelo caminho. O plano original era ter já almoçado no Miño e depois ir de carro até às Fragas do Eume, um parque natural ao longo do rio Eume. Assim, fui eu sozinha até às Fragas. Cheguei ao Centro de Interpretação onde me informaram que a estrada para o Mosteiro de Caaveiro, uma das atracções do parque que ficava a 30min de carro, estava fechada e que havia um shuttle gratuito a cada hora certa, só que eram 15h05, logo teria de esperar 55min. Era também possível ir a pé, 8.5km, mas achei que era demais para o meu pé ainda em recuperação. Havia também uma ponte suspensa sobre o rio a 2.2km, até onde eu poderia caminhar e depois o shuttle apanhava-me lá. Achei que era uma boa opção. Caminhei cerca de 500m e depois lembrei-me de ver por onde é que a minha mãe andava e fiquei surpreendida por ver que ela já ia a meio caminho. Voltei atrás, descobri que havia shuttles até às 9h da noite, e fui buscar a minha mãe ao Miño, a apenas 20min de carro, pois ela ia gostar do passeio.
Chegámos mesmo a tempo de apanhar o shuttle das 17h. Tínhamos regresso para as 19h30 e vimos que havia uma segunda ponte no caminho, onde o shuttle também poderia parar para nos apanhar. Deixaram-nos ao pé do rio, mas para visitar o Mosteiro teríamos de fazer uma caminhada de 800m sempre a subir. Espaço engraçado, mas fazia muito calor e o uso de máscara não ajudava, pelo que voltámos a sair rapidamente. Descemos parte de outro trilho para ir ver uma enorme ponte de pedra sobre uma pequena cascata, e depois fomos caminhando até à ponte suspensa onde o autocarro nos ia apanhar. O rio é muito transparente e pouco fundo, pelo que tem quase sempre um tom turquesa maravilhoso, quando bate o sol. Depois de quase 40km de bicicleta (mãe), caminhámos 4km e ela ainda esteve a fazer “acrobacias” na ponte enquanto esperávamos pelo shuttle! Tenho uma super mãe!
No Miño ficámos no Hotel La Terraza, também muito agradável. A senhora da recepção (não sei se era a dona) também era dona do bar ao lado, onde infelizmente não havia comida, pois um dos clientes estava a tocar guitarra e queríamos ter lá jantado. Jantámos no restaurante à frente, de onde também se ouvia a música e onde comi a melhor tortilla de batata da minha vida – eu achava que não gostava e agora adoro! Mas antes de irmos para o hotel ainda passámos pela praia do Miño só para molhar os pés!
A cidade é giríssima, aliás, fiquei apaixonada pela arquitectura galega! Tem também uma geografia peculiar, um promontório que de um lado tem a Ria da Coruña, com um porto com águas super cristalinas, e do outro a praia que dá para o mar. Várias ruas pedonais, cheias de edifícios com as janelas típicas galegas, levam-nos à Praça Maria Pita, onde se encontra a Casa do Concelho da Coruña e a estátua desta mulher que salvou A Coruña da invasão inglesa no séc. XVI. Fui até à Igreja de Santiago à procura de alguma placa que assinalasse o início do Caminho, mas não havia nenhuma, pelo que continuei até ao porto para fazer um picnic com vista para o Castelo de Santo Antón. Caminhei um pouco junto ao mar até voltar a entrar pela cidade para a atravessar e ir espreitar a praia de Orzán. Finalmente regressei ao carro e fui visitar um dos símbolos de A Coruña, a Torre de Hércules, um farol do séc. II construído pelos romanos.
Estava a 40min do hotel e cheguei 5min antes da minha mãe. Se tivéssemos combinado não teria corrido tão bem! Este hotel não foi do nosso agrado pelo comportamento referente às regras do Covid. Fomos jantar a uma pulperia, um quilómetro acima, para comer Polvo à Galega e, naquele casario, percebia-se que o coronavirus é algo que eles não viram perto, pois não há grandes cuidados… No dia seguinte chegávamos a Santiago!
Ainda demorou algum tempo até a minha mãe chegar, pelo que fui dar uma volta de reconhecimento. Caminhei directamente para a Praza do Obradoiro, onde iam chegando grupos de peregrinos que ali faziam uma grande festa. Fiquei cheia de vontade de fazer eu própria o Caminho! Andei pelas várias praças de Santiago e quando me apercebi que a chegada da bicigrina estava para breve, fui esperá-la à Rua de San Francisco, onde por acaso também se encontrava o hotel Oxford Suites, onde mais tarde íamos fazer check-in.
Fizemos uma grande festa, a essa hora estavam a chegar muitos grupos, incluindo de outros peregrinos de bicicleta, e fomos imediatamente almoçar. Estando em Santiago e sendo um dos símbolos do Caminho a vieira, pedimos Zamburiñas (uma espécie de vieiras mais pequenas – e mais baratas 😉 ). Depois fomos buscar as malas ao carro, fizemos check-in, descansámos um pouco, e voltámos à rua para mais uma volta pela cidade. Ainda tentámos ir à Missa do Peregrino, mas porque a Catedral está em obras e pela pandemia, só podiam entrar cerca de 70 pessoas. De qualquer modo não haveria Botafumeiro, pelo que eu não tinha grande interesse em ir…
Dia 5 – Finalmente dormimos mais um pouco pois não havia pressas. Fizemos logo o check-out, fomos deixar as coisas ao carro e depois tentei visitar o Museu das Peregrinações, que a minha mãe visitou há três anos e gostou muito, só que não me deixaram entrar porque a minha mochila era demasiado grande e agora, durante a pandemia, não têm a área de cacifos aberta… Fui então visitar a pequena parte da Catedral que não está em obras.
Originalmente tínhamos pensado ficar duas noites em Santiago, mas a minha mãe começou a dizer que gostava de voltar a Padrón e a Caldas de Reis, duas das etapas por onde passa o Caminho Português e eu perguntei-lhe porque não mudar a segunda noite para Pontevedra e assim já estávamos também mais perto de Baiona, de onde íamos apanhar o barco para as Ilhas Cíes.
Partimos então de Santiago para Padrón, cidade que deu nome aos famosos “Pimentos de Padrón, unos pican y otros non!” Trata-se de uma variedade de pimentos, que foram trazidos para a região no final do séc. XVI desde o recentemente descoberto continente americano, por missionários do convento franciscano de Herbón, a uns minutos da cidade. Aí os frades “domaram” os pimentos, para que não fossem tão picantes, mas alguns continuam a sê-lo. A visita no entanto foi curta, demos só uma voltinha pelo rio, subimos ao Convento del Carmen, que se encontra ao lado do Albergue de Peregrinos de Padrón, e seguimos caminho para Caldas de Reis.
Esta pequena cidade é conhecida pelas suas águas termais. Há várias fontes pela cidade em que a água sai quase a ferver e um tanque de água quente onde é comum encontrar peregrinos com os pés dentro de água, a descansar depois de mais de 20km a caminhar deste Pontevedra. Visitámos estes vários pontos mas estava tanto calor que a vontade de molhar os pés era nula. Outra das coisas a visitar em Caldas de Reis é o Hotel Balneário Acuña, com uma piscina de água quente – é possível ir à piscina, mediante pagamento, sem se estar alojado no hotel. A minha mãe fez isso há três anos e gostou muito. Tínhamos pensado fazer isso também desta vez mas a temperatura exterior pedia água fria e não água quente!
Seguimos então para Pontevedra, onde ficámos novamente num hotel do grupo Alda, como vos disse, os hotéis mais cumpridores das medidas de higiene impostas! O hotel ficava perto da estação de comboios e o Caminho Português passava exactamente aí pelo que, depois do almoço, o seguimos para o centro da cidade. Pontevedra é outra cidade galega bonita. Sem grandes pontos de maior interesse, o bonito é mesmo deambular pelas ruas pois não há uma que não seja bonita.
Assim terminou o nosso passeio pelos Caminhos de Santiago. Na manhã seguinte dirigimo-nos para as Ilhas Cíes, um paraíso desconhecido na Galiza, onde passámos os melhores dois dias de toda a semana, para depois regressar a Lisboa.
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