A Vera é arquitecta, tem 25 anos e viveu em Patan, no Nepal, durante 4 meses em 2016. O texto dela é apaixonante, mas nada melhor que ela nos contar o porquê de ter ido para este país, que raramente está no top de destinos a visitar do viajante recorrente. Pode ser que com este texto a Vera vos ajude a mudar de opinião!

 

Quando dizia que ia para o Nepal, toda a gente me perguntava, mas porquê? Porquê o Nepal? Lembro-me, como se fosse ontem, do dia em que estava na mesa da sala de minha casa, cheia de preocupações, ansiedades e medos, a trabalhar sobre o projecto final de Arquitectura. A mesa transbordava de esquissos e mais esquissos, maquetes de estudo, aquele caos que todos os arquitectos e estudantes de arquitectura conhecem. Ao mesmo tempo que me remoía em resolver e rabiscar sobre um problema, gostava de ir ouvindo de fundo as notícias.

Era dia 26 de Abril de 2015 e rebentam as notícias sobre o grande terramoto no Nepal. Parei, fiquei chocada, fiquei sem medos, ansiedades nem preocupações sobre o meu pequeno problema. Ali decidi que ia para o Nepal e ia ajudar na reconstrução. Refleti nos dias seguintes, percebi que indo naquele momento não ia conseguir ajudar da forma que queria, por isso continuei, terminei o projecto final e a dissertação e finalizei o Mestrado, e guardei esta vontade comigo.

Os meses seguintes foram de planeamento da ida e assim parti em Março de 2016 para ficar até Junho do mesmo ano. O suposto seria ir trabalhar num projecto de uma escola numa pequena aldeia, mas quando cheguei o projecto, este encontrava-se bastante atrasado e começaria apenas no seguinte ano. Procurei uma alternativa, tinha ido e não queria ficar parada. Acabei por entrar em contacto e ficar a trabalhar com os Arquitectos Sem Fronteiras do Nepal, com base em Patan, cidade vizinha da capital Kathmandu, e foi o melhor que fiz. Foi muito, muito bom, sem dúvida a melhor experiência da minha vida!

Que expectativas tinhas da cidade e do país antes de chegar? A realidade é parecida com essas expectativas?

Quando estava prestes a partir para o Nepal achava-me preparada para o que ia encontrar. Sempre tive a oportunidade de viajar e a última grande viagem tinha sido à China, onde andei por pequenas cidadelas, aldeias e vilas, muito desfavorecidas, achei que já estava preparada. Pois não, quando aterrei no Nepal, em Kathmandu, pus as mãos a cabeça. Estava à espera de um caos, de uma grande pobreza, mas… Fiquei em choque. Mas rapidamente me habituei.

Na primeira semana fiquei em Kathmandu, uma cidade louca, muita confusão, muito barulho, muita poluição. Quando visitei Patan, cidade vizinha de Kathmandu (até é possível que muita gente ache que é a mesma), senti uma maior tranquilidade e foi a minha felicidade quando soube que era ali que ia viver.

Quanto à destruição pós-terramoto, como estava espelhado em quase todo o lugar, foi rápido de adaptar e de habituar. As próprias ruas mudam, passam a ser apoio dos contrafortes improvisados de diferentes edifícios. Tenho de admitir que senti, umas 3 ou 4 vezes, a terra a tremer, coisa que nunca tinha sentido antes nem achei que fosse sentir, depois lembrei-me da razão pela qual estava ali. Ainda deu para 1 ou 2 sustos, em que todos os nepaleses que estavam por perto souberam manter e transmitir a calma.

Fui confiante de que a maioria dos nepaleses falava inglês, engano. Em Kathmandu, mais facilmente, mas em Patan, escasso. Mas não era por aí que não conseguia conversar, pedir o que queria e um sorriso. A realidade não era parecida com as minhas expectativas, mas também para quem vive noutro continente como o nosso acho que dificilmente conseguimos entender outra realidade sem a visitarmos.

Do que mais gostaste em Patan?

Queria dizer: tudo. Ganhei o amor à “minha” cidade. Apaixonada, como qualquer um fica, pela Patan Durbar Square, a praça principal, rodeada de templos, de gente a adorá-la. Delirava com os pátios e ruelas que os conectam. Perdia-me quase todos os dias a andar por diferentes pátios e ruas, a descobrir novos tesouros arquitetónicos.

Esta cidade é um museu vivo ao ar livre. Não posso deixar de sublinhar o quão me fascina, a devoção dos nepaleses, esta que me trouxe uma tranquilidade e clareza interior brutal.

 

E do que menos gostaste?

A poluição imensa que estraga a natureza e beleza bruta deste país e o facto de o automóvel estar sempre à frente do peão, não conseguia entender! Não, não há acidentes e tudo flui, mas… Não gosto disso. Mas com o passar dos tempos fui percebendo as manhas e os sinais que os peões utilizam para passarem a estrada quando querem sem se assustarem, e já eu própria me atirava à estrada!

Como caracterizas os nepaleses?

Um povo sem igual. Admiro-os com todas as minhas forças. Um povo suprimido por duas grandes potências, mas que continua a acreditar, continua a sorrir todos os dias! A maioria deles são tímidos, contidos, mas sempre com um sorriso para dar. Um povo bastante devoto, com muitas festividades e adorações para o(s) seu(s) Deus(es). Todos os dias desde madrugada se vê gente a fazer oferendas. Um povo, que apesar de oriundos de diferentes etnias, é bastante unido e cheio de força.

Os nepaleses são sem dúvida uma das grandes mais valias do Nepal. Obrigada!

Como era um dia normal para ti no Nepal?

Acordava, sempre muito cedo. Preparava um pequeno almoço o mais nutritivo possível para me dar forças para o dia inteiro. Enquanto tomava o pequeno almoço, escrevia sobre o que estava a viver, a sentir e a aprender.

Fazia a caminhada até ao escritório, cerca de 15 minutos a pé, via das coisas mais agradáveis (pessoas a fazerem a oferendas, a rezarem, etc) e desagradáveis (carne para venda assente na estrada) logo ao começar do dia e tinha o privilégio da praça principal fazer parte do caminho, enchia-me a alma!

 

Chegava ao escritório, composto por uma equipa de arquitectos e engenheiros nepaleses e internacionais, e trabalhávamos intensivamente sobre os vários projectos (de diferentes dimensões e diferentes programas, mas maioritariamente de (re)construção de habitação). O ambiente era muito bom e a partilha de conhecimento ainda melhor. Havia dias que o trabalho era no campo em vez de ser no escritório, nesse caso algum táxi nos vinha buscar, seguíamos para o local de estudo e trabalhávamos em conjunto com as famílias para quem estávamos a disponibilizar trabalho.

Almoçávamos todos juntos no escritório, sempre comida nepalesa, o famoso Dal Bhaat (arroz e sopa de lentilhas) acompanhado com frango ou vegetais. Era o momento de maior conversa e de partilha de experiências de vida.

Voltávamos ao trabalho até ao final do dia. O melhor era conseguirmos sair do escritório antes das 20h, quando começava a escurecer, as lojas a fechar e nunca se sabia quando se tinha luz na rua. Na volta gostava sempre de parar na Patan Durbar Square a admirar tudo e se tivesse um bocadinho mais de tempo ir à “Rua de Patan”, ou rua das compras, cheia de lojinhas tanto de vestuário como de comida. Alguns dias fazia o caminho de volta com os colegas nepaleses e parávamos na praça, apenas a desfrutar.

Quando chegava a casa, jantava e se houvesse electricidade (que funciona por zonas e horários) aproveitava para falar um pouco com a família e amigos. Quando não, aproveitava para os meus momentos de leitura e reflexão que contribuíram bastante para a minha aprendizagem e absorção deste país.

Ao fim de semana tentava ir sempre passear a alguma cidade/aldeia perto de Patan.

Se alguém fosse visitar Patan e só tivesse três dias o que sugerias ver? E o que comer e onde?

Patan, é relativamente pequeno portanto o meio de transporte dá para ser quase sempre o nosso pé. Para ir de Patan para a capital Kathmandu, ao lado, aconselho táxi. É rápido e fácil. É importante dizer que a vida em Patan começa às 5h da manhã e acaba às 20h, quando tudo fecha.

– Primeiro e obrigatório ponto é a Patan Durbar Square. Como já falei aqui, é a praça principal, rodeada de templos e tem um museu interessante de se visitar. Não se pode dizer muita coisa porque só mesmo visitando… É um lugar muito especial! Nesta praça há o restaurante The Third World com uma vista soberba sobre a praça onde se podem comer coisas boas. É meio turístico, mas aconselho vivamente!

– A Patan Dhoka, uma das entradas da cidade. Não é uma parte que adore, mas é sempre interessante passear por lá. Ao lado da Patan Dhoka existe uma livraria boa, com muitos livros sobre política, religião e também arquitectura nepalesa. Também aí perto há um restaurante com um toque mais turístico, o Dhokaima, para quem procura comida mais suave.

– É (muito) obrigatório andar pelos pátios de Patan. As casas organizam-se à volta de pátios comunitários (geralmente e inicialmente segundo família ou profissão) conectados por estreitas ruas, a cidade é uma surpresa e um labirinto de pátios, percam-se!

– O Golden Temple, perto da Patan Durbar Square, é também uma visita obrigatória, um templo tanto budista como hindu. Aconselho também a visitar o pátio nas traseiras do Golden Temple, onde há um senhor profissional em Tibetan Bowls e faz tratamento com elas.

– Como as ruas não têm nome, apresento-vos a que é para mim a Rua de Patan (que une a Patan Durbar Square a Lagankhel – estação de autocarros de Patan). Nesta rua é onde a maioria dos moradores de Patan vão às compras. Há imensas lojas de tecidos (principalmente os Dhaka, que é tradicional nepalês), sapatos, e à medida que nos aproximamos de Lagankhel, começamos a ver comida à venda também. Adoro esta rua e tentava ir todos os dias lá, nem que fosse só passear. É engraçado chegarem ao final da rua, a Langakhel, a estação de autocarros, nem que seja só para observar a ordem do caos. Aí há autocarros para todo ou quase todo o lado e muito barato. Na praça de Lagankhel existem vários restaurantes muitos para comer momos, uma espécie de dumplings. Desafio-vos.

– Os Bhatti são os “pubs” nepali, ou diga-se newari – um dos grupos étnicos dos nepaleses. Aqui bebe-se chhaang (estranha-se ao primeiro gole, mas depois até se entranha, é uma espécie de cerveja de arroz), come-se muito búfalo, porco e ainda se pode beber o Raksi, que é o que eles chamam de vinho, mas de vinho não tem nada, é bastante alcoólico. Aconselho a que peçam, além das carnes (fortes), beaten rice, grãos, etc. É tudo picante, sim. É sem duvida uma óptima experiência para entrar no espírito nepali! Há um restaurante na Patan Durbar Square (exactamente atrás do templo Krishna Mandir, ao lado de um café e com portas verde água, que se não é um Bhatti, se assemelha bastante. Lá têm chhaang e podem comer outras coisas como a bara, choila, sekuwa… Ou apenas apontem! Não sabem falar inglês nesse restaurante. A comida é boa e é totalmente nepali.

-Onde tive a minha melhor refeição no Nepal foi no The Village Café, não sei se foi sorte mas pedi a pizza nepali (chatamari). Neste restaurante encontram os yomarees, um doce nepalês, bom e difícil de encontrar.

Sei que já não é Patan, mas quem vai a Patan vai a Kathmandu e há pelo menos dois sítios obrigatórios de se visitar. Em Kathmandu, aconselho a movimentarem-se de mota e entrar na onda nepali.

-A Kathmandu Durbar Square é a praça principal da capital, onde se reúnem alguns templos e palácios. É capaz de ser um pouco chocante dada a destruição pós-terramoto mas vale a pena, de tão bonito que é. É sempre bom perderem-se nas ruas à volta…

-Em Thamel, o centro turístico de Kathmandu, tem-se de tudo. Para quem não se consegue adaptar à alimentação e vida nepali, aqui encontra várias oportunidades.

Swayambhunath, também conhecido como Monkey temple, é nos arredores mas podem ir de táxi ou autocarro. É sem dúvida obrigatório visitar… Sem palavras, também.

– E agora, por último mas não menos importante, Boudhanath, perto de Patan e Kathmandu. Uma Stupa magnífica que o terramoto danificou bastante. É um lugar que transpira tranquilidade, budismo, há monges por todo o lado.

– Existe um restaurante tibetano, o Double Dorjee Restaurant, muito aconchegante, com umas senhoras muito simpáticas. É provável que tenham de chamar por alguém quando entrarem no restaurante.

Nota: Se em alguns dos sítios, lojas, lugares que visitarem vos oferecerem um Masala Chai ou Milk Tea, ou até mesmo água, aceitem (nem que seja para dar um pequeno gole). Eles oferecem-no como um gesto de boa educação e hospitalidade e poderão ficar sentidos com a rejeição. Aceitem! ?

Vera, tens algumas dicas para nos oferecer de como poupar dinheiro em Patan?

Patan não é uma cidade cara. Querendo fazer uma experiência bastante low cost é aproveitá-la como um local, frequentando os restaurantes nepalis, viajando através de autocarros locais ou até mesmo de mota. De resto, para os museus e todos os monumentos, não poupem. Aproveitem essas maravilhas do mundo!

Qual a maior tourist trap da cidade?

Para mim é Thamel, em Kathmandu. É o centro turístico e onde a cultura nepali, se transforma.

Em que zonas da cidade devemos procurar hospedagem e porquê?

Querendo aproveitar a cidade de Patan, aconselho a ficar perto da Patan Durbar Square, perto da vida nepali.

Quais os melhores locais para sair a noite?

Em Patan não existe nenhum sítio para sair a noite, tudo fecha as 20h. Para sair à noite só mesmo em Thamel, em Kathmandu, e não creio que valha a pena. Para um copo sim, acho Thamel uma boa opção.

Qual o teu lugar preferido (bairro preferido, café livraria) ou actividade preferida?

Adorava passear pelos pátios de Patan, sentar-me num a observar, escrever e desenhar sobre a vida dele. Mas também adorava, claro, os meus preciosos passeios de fim de semana, em que apanhava um autocarro e escolhia um destino perto de Patan que ainda não conhecesse.

Por fim o que responderias se alguém te perguntasse “não se pode sair de patan sem…”?

– uma visita a Durbar Square!;

– um tecido Dhaka;

– respeitar as vacas;

– receber o sorriso de um nepali.

Muito obrigada Vera por este teu texto incrível! Eu sem dúvida que fiquei cheia de vontade de conhecer o Nepal e vocês?