Quando decidi ir ver o vulcão Cumbre Vieja em erupção, a La Palma, a forma mais barata de lá chegar era através de Tenerife. Quando visitei o meu amigo Jose entre Saragoça e Cuenca, falávamos dos sítios mais altos do mundo onde já tínhamos estado e o recorde dele era o Teide. Assim, quando marquei o voo para Tenerife, fi-lo de maneira a poder visitar também esta ilha. Mas, mais uma vez, não queria gastar muito dinheiro. Ia sozinha e o aluguer de um carro naqueles dias, não sei bem porquê, estava a preços exorbitantes, pelo que passei 3 dias em Tenerife de transportes públicos / à boleia.

Regressei então de La Palma, cheguei ao Porto de Los Cristianos às 19h30 e apanhei um autocarro para Candelaria e daí uma boleia com o Eduardo, Couchsurfer com quem combinei jantar em San Cristóbal de la Laguna. Foi muito interessante ir visitando esta ilha canária com alguns locais, pena ter sido sempre de noite, que não apetecia tanto fotografar. Depois de umas tapas, acompanhadas por vinho canário e uma boa conversa sobre aviação, dei-me conta que tinha acabado de perder um autocarro e que só voltava a ter outro daqui a cerca de uma hora, pelo que o Eduardo levou-me durante 20min, no sentido contrário ao dele, para me deixar perto de La Orotava, onde o Marcos Antonio, também Couchsurfer, me ia hospedar.

Era já tarde, pelo que fui rapidamente para a cama, sabendo que o Marcos tinha de trabalhar de manhã e que eventualmente à tarde me poderia acompanhar no passeio. No dia seguinte, amanheci com esta vista incrível:

Apanhei então um autocarro para Icod de los Vinos, aproximadamente uma hora de caminho. Tenerife tem um cartão de transportes, o Ten+, que comprei no aeroporto, mas depois para o recarregar é um filme, pois não há máquinas nas paragens e mesmo nos terminais, é só possível carregar nas bilheteiras, que muitas vezes estão fechadas. Não compensa. É também possível comprar o bilhete a bordo, que foi o que acabei sempre por fazer, embora isso implique andar sempre com dinheiro vivo.

Esta vila é conhecida pelo seu Drago Milenar, mas foi nela que eu comecei a tomar atenção às belíssimas janelas e varandas canárias. Saí do autocarro na ponta mais longe do Parque del Drago, e fui percorrendo as suas ruas, passando pela Câmara Municipal até ao jardim que circunda a Igreja, e de onde se vê perfeitamente a famosa árvore. Esta encontra-se dentro do Parque del Drago, rodeada de outras espécies endémicas, mas a entrada custa 5€ e não achei que valesse a pena. 

De Icod de los Vinos apanhei um autocarro para Garachico. Era domingo, pelo que só havia um autocarro por hora. Quando o autocarro finalmente chegou foi quando eu descobri a questão de não se poder carregar o cartão a bordo e como era domingo, a bilheteira estava fechada. Tinha uma nota de 50€ e algumas moedas, faltavam-me 40cent porque o motorista não aceitava a nota e sugeriu inclusivé que eu fosse carregar o cartão à bomba de gasolina mais acima e apanhasse o próximo autocarro, uma hora depois… Ridículo! Felizmente um casal de turistas que vinha na primeira fila emprestou-me o dinheiro que faltava. Pelo caminho, campos e campos de bananeiras, dos produtos mais exportados das Canárias.

Quando estava à procura de Couchsurfer, enviei pedido a toda a gente com quem me identificava minimamente. Desde que a pandemia começou que menos gente aceita receber hóspedes, para além de que agora o CS é pago, pelo que muita gente pode já nem estar activa. Antes do Marcos Antonio me aceitar, aceitou-me o Martin, um viajante francês que vive num veleiro, mas que me disse logo que não teria muita disponibilidade para estar comigo, pois tinha muito trabalho da universidade. Por isso, quando o Marcos me aceitou, eu recusei amavelmente a primeira oferta, mas na mesma combinámos encontrar-nos na cidade onde tem o barco, para beber um copo. E assim foi!

Depois de matarmos a sede com uma bela cerveja local, o Martin regressou ao seu estudo e eu fui explorar esta bela e pequena localidade, junto ao mar. Há duas grandes atracções em Garachico, a Plaza de la Libertad, com várias igrejas e edifícios coloniais em torno, e as Piscinas Naturais, que lembram as do Porto Moniz, na Madeira.

 

Entretanto o Marcos não se despachava do trabalho, pelo que continuei a explorar a ilha de transportes públicos. Apanhei um autocarro para Buenavista del Norte e daí ia apanhar outro para a Punta del Teno, um cabo de onde é possível ver-se os Acantilados de los Gigantes, escarpas rochosas com 500 a 800 metros de altura. Infelizmente a estrada até já estava cortada porque estavam a rodar um filme qualquer, pelo que o acesso era impossível naquele dia.

Daí saía também o autocarro para Masca, mas ainda faltavam 40min, pelo que fui adiantando a pé algumas paragens. Masca é uma pequena aldeia de 90 habitantes situada no meio das montanhas de Teno. O acesso não é fácil, uma estrada sinuosa e estreita, mostra-nos paisagens de tirar o fôlego a cada curva e contra curva, incluindo relances da vizinha ilha de La Gomera. Meia hora depois de sair de Buenavista del Norte, chegava a esta aldeia, a 750m de altitude.

Masca é basicamente uma rua, que acompanha uma linha de cumeeira. Masca é lindíssima, mas também cheia de turistas. Poderia até dizer que Masca é imperdível, que tem uma luz única, e que pode ser vista rapidamente ou de forma demorada, para os mais contemplativos.

Mas ainda estava com esperanças de conseguir ver os Acantilados desde Los Gigantes, a cidade que lhe dá o nome, mas descobri rapidamente que de transportes ia ser impossível. Entre serem lentos a serem escassos, o sol ia entretanto pôr-se… A informação sobre os transportes também não era sempre clara, pelo que pedi uma boleia até à próxima vila, Santiago del Teide, e aí esperei muito tempo até passar o autocarro para me levar até Puerto de la Cruz, que demorou mais de uma hora, e em que fui a morrer de frio porque as janelas tinham de ir abertas por causa do Covid.

Fui ao supermercado em Puerto de la Cruz, para me abasteccer para a aventura do dia seguinte, e o Marcos passou por mim e foi-me mostrar La Orotava, enquanto esperávamos pela pizza que tínhamos encomendado. Outra cidade colonial lindíssima, que não fotografei por já ser de noite e porque tinha planeado visitá-la no final do dia seguinte, que depois veio a não acontecer, perceberão em breve porquê.

Chegou o grande dia, o dia em que ia subir ao Teide. Para subirmos ao pico mais alto de Espanha, a 3715m de altitude, implica alguma organização. Há um teleférico que nos pode levar dos 2350m aos 3545m, mas para chegar ao cume é necessário uma autorização por se tratar de um parque nacional e quando eu descobri isso, só havia vagas para mais de um mês depois das datas que eu lá ia estar. Há sempre a possibilidade de subir a pé desde cá de baixo, para passar antes das 9h, quando ainda não há controlo. Preferi subir a horas decentes…

Originalmente tinha pensado subir ao Teide no domingo, mas quando tentei fazer reserva para o teleférico, no sábado à noite, obviamente já não havia vagas, pelo que alterei os planos para segunda feira. O meu plano era subir de teleférico e descer a pé. Calhava bem, que o Marcos tinha de estar muito cedo no lado oposto da ilha, e queria ir pela montanha, por ser mais bonito, pelo que me deixou nas Roques de Garcia, uma formação rochosa impressionante, por volta das 8h, o que me daria tempo para depois ir a pé até ao teleférico, a 4,5km, para subir às 9h30, a hora a que tinha reservado a subida.

Comecei a caminhar em direcção ao teleférico, uma enorme recta, que parecia que não avançava nada. Decidi pedir boleia e o primeiro carro, com dois turistas franceses, parou logo e levou-me até ao destino, onde ainda tive tempo para tomar o pequeno almoço, ir à casa de banho e comprar um íman, antes de subir.

Confesso que estava com algum receio com a subida porque nunca tinha ido a uma altitude tão elevada, mas a verdade é que não senti nada, nem falta de ar, nem dor de cabeça, nada. Fiquei apenas com pena do teleférico ir tão cheio, pois não pude ter uma boa vista nos vários sentidos, à medida que ia subindo. Já lá em cima era possível ver as ilhas vizinhas de Gran Canária, La Gomera, e mais tarde também de La Palma e das cinzas vulcânicas, até.

O meu plano, marcado a vermelho no mapa em baixo, era caminhar até ao Pico Viejo, regressar, e depois descer pelo trilho de Montaña Blanca (nº7, no mapa). Não sei o que aconteceu, mas durante as minhas pesquisas, achava que essa era a única forma de descer. Também achei que o Pico Viejo, o antigo cume do Teide e com uma impressionante cratera de quase 800m de diâmetro, era bem mais perto do que na realidade era (o Google Maps dizia que eram 500m, 15min a pé, mas agora que lá estive, percebo o erro da máquina)…

Então caminhei o obrigatório trilho 12, que nos leva ao miradouro para o Pico Viejo. Mas eu queria ir até lá! Então lá desci, pelo meio de lava petrificada, 500m, mas em altitude, durante mais de uma hora e meia, sempre a ponderar se de facto devia descer aquilo tudo, se depois ia ter de voltar a subir, mas acabei por fazê-lo. Como podem imaginar, acabei por não voltar a subir e terminei por fazer o trilho que está marcado a verde, em baixo, mas com ainda algumas peripécias.

Finalmente cheguei à cratera do Pico Viejo! E a maior parte das pessoas que lá estavam comigo, estavam a subir o vulcão a pé, pelo caminho mais longo! Ainda tentei eu também voltar a subir e manter o plano inicial, mas a minha condição física não o permitia. Tinha de decidir se descia pelo trilho 23 ou pelo 9/28. O primeiro terminava nas Roques de Garcia, onde já tinha estado, e o 9/28 era mais longo, e eu sentia que tinha de compensar de alguma forma a minha desistência de voltar a subir, pelo que optei pelo segundo.

Não estava sozinha na montanha, ia um alemão uns metros à minha frente, e várias pessoas em sentido contrário. Até que de repente o trilho estava muito difícil de reconhecer e já não havia pessoas em sentido contrário… Eu e o alemão tínhamos saído do trilho, e atrás de nós vinham mais dois ingleses no mesmo engano. Começaram assim as três horas das mais difíceis da minha vida! Descer um vulcão fora de trilho não é fácil, estávamos em terrenos muito inclinados, com muita areia, tinha de tirar os sapatos a cada 5-10min para tirar pedras, víamos o trilho lá em baixo, parecia perto mas nunca mais chegava! Se não fossem os meus companheiros, que não me deixavam para trás, que me apoiavam moralmente, provavelmente teria demorado o dobro do tempo. As minhas pernas estavam perto do esgotamento, uma hora e meia depois da descida mais horrorosa de sempre, voltávamos finalmente ao trilho… Mas ainda faltavam 3,5km até à estrada… Quase não podia acreditar quando finalmente este pesadelo acabou!

Entretanto o sol já ia baixo, a visita a La Orotava já não fazia sentido, e tinha de arranjar uma boleia de volta para o norte da ilha, já que os meus três companheiros (e a maioria dos turistas) iam para o sul. Ainda demorei uns 10min a perceber que estava na estrada errada, caminhei mais 500m e no Miradouro de Boca Tauce estavam dois húngaros que iam em direcção ao Observatório Astronómico do Teide e me deixaram na bifurcação que descia para La Orotava.

Daí a 5min, parou o Bernt, outro alemão (as Canárias estão cheias de alemães, as placas no aeroporto até estão em alemão antes de inglês). Nesta viagem foi a primeira vez que andei à boleia e tive imensa sorte! Para quem não sabe, eu falo alemão, e estes 40min de estrada foram super divertidos, boa conversa, o senhor até em Portugal já tinha trabalhado, e no final até me deixou em casa do Marcos!

Coisas que aprendi neste dia: Não vão para o Teide sem luvas. Eu fui com umas da neve e assim que me deu calor, conseguia atá-las às mãos, de forma a poder usá-las como almofadas para me agarrar a pedras, amparar descidas, etc. E já que levam luvas, levem roupa no corpo todo 😛 Estamos acima de 3000m de altitude, faz frio, mesmo que ao nível do mar estejam 20ºC.

Último dia em Tenerife, voava nessa tarde, pelo que acordei cedo, despedi-me do Marcos, e apanhei o autocarro para San Cristóbal de la Laguna, agora para a ver de dia. Afinal é a pérola colonial de Tenerife, património da UNESCO, não a poderia perder. Ainda assim, pareceu-me mais bonita à noite que de dia, talvez as expectativas estivessem demasiado altas.

Passei pela Plaza del Adelantado, pela Catedral de la Laguna, pela belíssimo ex-convento de San Agustin e pela Iglesia de la Concepción. Mas o mais bonito desta cidade são as ruas pedonais e as casas coloniais que se encontram entre estes pontos de interesse.

Mas acabei de ver la Laguna antes do previsto, então apanhei o autocarro para Santa Cruz de Tenerife, a capital, mais cedo. Teria sempre de passar por lá para trocar de autocarro para o aeroporto, mas assim pude rapidamente visitar as piscinas do Parque Marítimo de Santa Cruz, desenhadas pelo arquitecto canário César Manrique, e o vizinho Auditório de Tenerife, um projecto de Santiago Calatrava, com direito a um extra – o Castelo de San Juan Bautista.

Finalmente apanhei o autocarro para o aeroporto e daí o avião para casa. Na subida consegui ver novamente o Teide e despedir-me assim destes maravilhosos cinco dias nas Canárias. Ficaram a faltar muitas coisas, por falta de tempo e de mobilidade – ver os Acantilados de los Gigantes, o Parque de Anaga, La Orotava com luz, as praias, entre muitas outras coisas bonitas que há para fazer em Tenerife!

Por curiosidade, mesmo só pagando 75€ pelo voo, ficando em Couchsurfing em três das cinco noites, andando de transportes públicos e à boleia, e comendo em casa sempre que possível, a curta viagem ficou por mais de 400€. Atenção que só o ferry para La Palma e de regresso foram 115€.

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